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O Mar Não Está para Peixe, mas o Tanque de Criação Sim!


Por Osler Desouzart

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Artigo publicado originalmente em 2016

Lembra-se de quando para se comer peixe tínhamos que sair para pescar? Pois bem como as coisas mudam também essa realidade está mudando. Hoje e no futuro do consumo do peixe está a aquicultura, mais uma faceta da revolução verde, que proporcionou a técnica, da ciência que aperfeiçoou o método e do agronegócio que aumenta seus volumes e a acessibilidade ao consumo de maiores contingentes da população mundial.

Depois do leite, o peixe é a proteína animal com maior volume total, com um prognóstico de crescimento continuado nos próximos 10 anos.

Tabela I – Produção Mundial de Algumas Proteínas Animais – Prognósticos a 2025 – Em 000t

Observem pelo Gráfico I que os peixes e frutos do mar que hoje detém 35,0% do consumo das principais proteínas animais deverão responder em 2025 por 35,4% da ingesta total.

Gráfico I – % do Consumo Total de Proteínas Animais Selecionadas na Dieta Humana Média Mundial

O peixe contribui com 1,2% do consumo mundial médio diário de calorias, responde por 6,5% da ingesta diária de proteínas e com 1,4% da gordura diária da alimentação humana (cf. Tabela II). Seu alto conteúdo proteico, baixo teor calórico e parco percentual graxo já explicam muito da preferência que os pescados e frutos do mar exercem em segmentos mais afluentes e entre países que apresentam IDH elevados.

Entretanto, esses percentuais dizem muito, mas não dizem tudo. Os peixes pequenos, consumidos inteiros, incluindo a cabeça e ossos, são fonte de muitos minerais essenciais tais como iodo, selénio, zinco, ferro, cálcio, fósforo, potássio, e vitaminas tais como A, B e D.  Peixes  são a principal fonte natural de ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa  e de iodo. Os peixes gordos também podem ser uma fonte importante de vitamina D,

Entretanto, o peixe é principalmente alimento das populações dos Países em Desenvolvimento (PED), situação que deve se acentuar significativamente no próximo decênio. O Gráfico II mostra o explosivo crescimento da participação dos PED no consumo total de pescados e frutos do mar.

Gráfico II – Consumo de Peixe e Frutos do Mar – % Total Mundial – Países Desenvolvidos e Em Desenvolvimento

O detalhamento quantitativo do consumo projetado entre 2015 e 2025, por regiões mundiais, exposto na Tabela III mostra a Ásia com um crescimento de seu consumo  de 19,6%, África com 32,7% graças principalmente à África Subsaariana que crescerá 35,5% no próximo decênio, enquanto a América Latina consumirá 30,7% a mais de peixes, tendo o Brasil como a locomotiva a puxar esse crescimento com uma expansão de 44,8%. Se confirmado, esse será o maior crescimento mundial do consumo de peixe por um país.

Tabela III – Consumo de Peixe e Frutos do Mar – Em 000t

O crescimento brasileiro projetado torna-se ainda mais notável se avaliarmos que o crescimento da produção mundial nos próximos dez anos projeta um aumento de 14,8% e o consumo de 18,5%. Interessante também observar (cf. Gráfico III) a dinâmica do comércio internacional desse segmento das proteínas internacionais que responde por  ≤25% da produção e do consumo mundiais.

Gráfico III – Balanço Mundial do Peixe e Frutos do Mar – 000t – 1995-2025

E afinal, o mar está para peixe? Há muito tempo que a pesca de captura vem sofrendo com o esgotamento dos cardumes na natureza, fruto do aperfeiçoamento dos equipamentos e dos aparelhos usados na pesca industrial de captura nos países desenvolvidos, com frotas que pescam em todos os oceanos do mundo. Os excessos de captura afetaram a reposição dos cardumes, obrigando a que a maioria dos países regulamentasse a atividade com defesos, quotas por espécies e outras medidas de proteção.

 

A figura do pescador individual, com anzol e linha, tarrafa, pequenos barcos ou fazendo arrastão está hoje restrita aos países menos desenvolvidos do mundo ou às zonas mais pobres dos países em desenvolvimento.

Nos últimos anos, a produção de captura do peixe se estabilizou em cerca de ≥90 milhões de toneladas por ano (cerca de 70 milhões de toneladas para uso alimentar), enquanto que a aquicultura tem continuado a mostrar um crescimento sustentado, ultrapassando todos os outros setores de produção de alimentos, com cerca de 74 milhões de toneladas, quantidade que se pressupõe ser inteiramente usada para uso alimentar. Enquanto aumentos significativos na produção pesqueira de captura são improváveis, a aquicultura poderia fornecer outros 20-25 milhões de toneladas de peixe em 2025.

A maior disponibilidade de peixe para consumo e as projeções de continuado crescimento da oferta e da demanda devem-se à aquicultura. A migração da produção mundial de peixes e frutos do mar pode ser apreciada nos Gráfico IV, onde se inclui captura para consumo como alimento e captura para outros fins, principalmente esmagamento para a produção de óleo e farinha de peixe. O Gráfico V mostra que a aquicultura superará a produção de peixes de captura no ano 2021.

Gráfico IV – Produção de Peixes por Aquicultura, Captura para Alimentação Humana e Captura para todos os fins

Gráfico V – Projeção da produção Mundial de Peixes de Captura e de Aquicultura

A Tabela IV detalha a disponibilidade total e per capita  de peixe, em peso equivalente a vivo , por regiões do mundo em 2013 e o Gráfico VI projeta o consumo per capita de peixes e frutos do mar até 2025, demonstrando uma incrível oportunidade para o agronegócio, mormente em um país como o Brasil onde comemos pouco peixe.

Gráfico VI – Prognósticos do Consumo mundial per capita

Na Tabela V podemos apreciar os quinze principais países produtores de peixes e frutos do mar por aquicultura. Dos quinze maiores produtores aquícolas dez situam-se na Ásia, um no Norte da África, um na Europa, um na América do Norte e dois na América Latina, entre os quais o Brasil que ocupa a 13ª posição.

Tabela V –  Produção Mundial de Aquicultura de Peixes, Crustáceos, Moluscos, etc, por Principais Países Produtores em 2014 – Rank 1º a 15º

A aquicultura não contribui somente para substituir a pesca de captura, de sustentabilidade contestável. Seu maior mérito é introduzir no segmento de peixes e frutos do mar um fator essencial para toda a cadeia: previsibilidade.  Não fica a cadeia de distribuição na dependência da chegada dos barcos ou se foi ou não um bom dia de pesca. Com a aquicultura é possível saber da disponibilidade de frutos do mar e pescados e, não sujeita a defesos, disponibiliza os produtos doze meses por ano, dez anos por década.

Tabela VI – –  Produção Mundial de Aquicultura de Peixes, Crustáceos, Moluscos, etc, por Principais Países Produtores em 2014 – Rank 16º a

A Tabela VI completa a lista dos principais produtores aquícolas mundiais, sendo interessante notar que esses 28 países respondem por 97,12% da produção aquícola mundial de peixes e frutos do mar.

O Gráfico VII lista os dez principais países em crescimento de sua produção aquícola entre 2005 e 2014, com o Brasil ocupando o sétimo lugar com um crescimento de sua produção aquícola de 117,9%, recordando aqui o fato já mencionado neste artigo de que o Brasil deverá experimentar um crescimento recorde de sua aquicultura nos próximos dez anos.

 

As Tabelas VII e VIII listam as espécies mais produzidas em aquicultura no ano de 2014 e o critério adotado foi de listar espécies cuja produção alcançou ou superou 300.000 toneladas. Devo pedir a indulgência dos ictiólogos e técnicos pela tentativa de encontrar nomes comerciais em português para os nomes científicos, sobretudo para espécies que são desconhecidas comercialmente no Brasil. Não hesitem, por favor, em enviar correções.

Tabela VII

Tabela VIII

Vamos agora enfocar o nosso Brasil. Começaremos mostrando no Gráfico VIII que a produção brasileira de peixes e frutos do mar começa a sair do marasmo de um barco encalhado com a expansão da aquicultura, a partir do final dos anos 90. Até meados da década de 2000 a produção aquícola conhece altos e baixos próprios de um segmento incipiente e que ainda buscava se firmar, explorar suas vocações e buscar o modelo que firme o crescimento e garanta sua expansão a ponto de se tornar um dos atores principais da aquicultura mundial, a exemplo do que ocorre nas três carnes principais – aves, bovina e suína. Diria que a busca desse modelo persiste, ainda que o segmento tenha conhecido notável crescimento como inferível dos dados do Gráfico VIII e da Tabela IX.

Gráfico VIII

A Tabela IX é particularmente rica para demonstrar o quanto a aquicultura aportou à expansão da produção brasileira de peixes e frutos do mar e seu rápido progresso. De inexpressivas 10.973t em 1985 alcançamos 562.533t em 2014, já surgindo os peixes de água doce e os crustáceos como a vocação.

Tabela IX –  Aquicultura no Brasil

Quais são esses peixes e frutos do mar que respondem por essa explosiva expansão da aquicultura brasileira? A Tabela X, elaborada com dados do IBGE, demonstra que a piscicultura de tilápia e espécies nativas, a carnicicultura, a mitilicultura e a pectinicultura

Tabela X

O Gráfico IX foi inspirado por um trabalho do Rabobank[1], excelente como muitos publicados por esse meu candidato especial ao Norman Borlaug Medallion, do World Food Prize, por sua contribuição a todos da cadeia que continua a obra do Mestre Norman Bourlaug de prover mais alimentos e melhor nutrição para o mundo.

Tomei a liberdade de atualizar os dados a setembro de 2016 e incluir no comparativo de preços daquele trabalho a carne suína. O uso de preços do filet de tilápia para o comparativo deve-se a que o consumidor brasileiro lida mal com o peixe inteiro, pois “tem espinhas”, frase que já ouvi um milhão de vezes e que demonstra nossa falta de familiaridade com o consumo de peixe. O importante, entretanto, é a constatação de que peixe deixou de ter um enorme distanciamento das proteínas animais terrestres, o que condenava o consumo de peixe no Brasil a depender da ditadura do calendário religioso.

Gráfico IX

Essa situação tem todo o potencial de mudar graças à maior oferta de peixes e frutos do mar graças ao aumento dos volumes de oferta de peixes, seja por uma maior importação (cf. Gráficos VIII, X e XI) seja por uma maior produção graças à aquicultura.

Acessibilidade a um produto passa não somente por tê-lo amplamente disponível no varejo, mas também por estar em condições de preço que o consumidor possa comprá-lo. Quanto ao preço, recorro novamente ao Gráfico IX para afirmar que peixe, particularmente a tilápia, deixou de ser item de rico e que o pobre tinha que se conformar com sardinha em lata.

Invoco para aqueles que defendem restrições à importação para ressaltar os dados expostos no Gráfico X, onde verificamos que o grande propulsor do consumo de peixes no Brasil foi a crescente importação. O peixe e frutos do mar importados trouxeram para a mesa dos carnívoros brasileiros o consumo mais frequentes desses produtos. Sou do tempo em que fumar era charmoso e que comer salmão era sinal exterior de riqueza. Hoje qual o supermercado, peixaria ou restaurante, incluindo os de comida por quilo, que não tem salmão em seu cardápio?

Gráfico X

As projeções para o Balanço Brasileiro de Peixes e Frutos do Mar até 2025 indicam uma continuidade de um notável aumento do consumo, atendido tanto por expansão da produção doméstica quanto por das importações. A boa notícia para todos nós é que o brasileiro está começando a comer peixe e gostando.  A excelente notícia são as oportunidades que se apresentam para o agronegócio brasileiro, já que a tilápia e outros peixes de aquicultura são nutridos da mesma forma que seu primo terrestre, o frango, com grãos. E o Brasil é um enorme competitivo em transformar grãos em proteínas animais.

Gráfico XI

 

No recente “High Quality Tilapia Meeting 2016”, evento anual da MSD, este realizado em Campinas, SP, em 05/10/2016, assistimos a várias conferências que deixavam claro o enorme potencial da aquicultura no Brasil. Uma delas foi por uma brilhante expositora que representava uma das maiores cadeias de supermercados atuando no Brasil.

Em minha exposição havia apresentado tabelas como as aqui transcritas (Tabelas XI e XII) e naturalmente na hora dos debates surgiram perguntas sobre as margens que o varejo aplica entre uma tilápia inteira e uma filetada. Meu objetivo ao apresentar esses dados era o de chamar a atenção para a enorme oportunidade que a indústria tem quando apresenta o produto não como ela gosta de vender, mas como o consumidor gosta de consumir. Não vivemos mais os tempos do “campo ao garfo do consumidor”, mas sim “do garfo do consumidor ao campo”.

A colega da cadeia de supermercados afirmou de forma lógica que os supermercados não têm nem a vocação nem o interesse em transformar suas lojas em fábricas. A operação de peixaria numa cadeia de varejos é custosa, exige mão de obra especializada e de difícil recrutamento.

A essa afirmação eu adiria a de que a grande penetração dos peixes importados tem sido facilitada por oferecerem filés já embalados que são recebidos de braços abertos pela grande distribuição de autosserviço.

Tabela XI – Preços Médios no Varejo de Tilápia nas Principais Zonas Metropolitanas- kg – 2º trimestre 2016

Tabela XII –  Preços Médios no Varejo de Tilápia nas Principais Zonas Metropolitanas- kg

Essa é mais uma oportunidade que o agronegócio tem para expandir de forma notável o segmento aquícola, não só produzindo, mas industrializando para ganhar parcelas de mercados que hoje estão sendo dominadas pelos filés importados. E há margens apetitosas para isso.

Quase finalizando, apresento no Gráfico XIII a expansão das importações brasileiras de peixes e frutos do mar em 2005 e 2015, onde vemos que um universo dominado pelas importações de bacalhau hoje muda para os peixes inteiros, mas principalmente em filés.

Gráfico XIII

Interessante também observar nos Gráficos XIV e XV que há uma discreta movimentação incipiente de exportações de tilápia brasileira e aqui deixo a reflexão de que não há um único motivo pelo qual o Brasil não possa se tornar um dos grandes fornecedores mundiais de produtos aquícolas, como o é em frango, carne bovina e carne suína.

Gráfico XIV                                                                                        Gráfico XV

                                

 E como despedida verificar o que o “frango aquático” tem em comum com seu primo terrestre

Frango Tilápia
Frango é acessível, disponível, fácil de achar, conveniente, versátil, fácil para o consumidor preparar, podendo ser cozinhado em miríades de formas e seu sabor é normalmente universalmente aceito; Tilápia é acessível, disponível, fácil de achar, conveniente, versátil, fácil para o consumidor preparar. A tilápia precisa de universalidade de presença no varejo para ganhar espaço

 

Frango não sofre nenhuma restrição religiosa para seu consumo e é considerada uma carne saudável de baixo nível de gordura

 

Tilápia também não sofre nenhuma restrição religiosa para seu consumo e é considerada alimento saudável de baixo nível de gordura;
Mais produtos de frango foram lançados desde a década de 90 do que de todas as outras carnes juntas. Essa inovação faz seu consumo viável várias vezes sem monotonia;

 

A tilápia ainda está limitada nas formas de apresentação ao consumidor ;

 

O frango requer menos recursos naturais em sua produção do que todas as demais espécies animais terrestres.  

A tilápia também requer menos recursos naturais em sua produção do que a maioria das espécies terrestres.

 

 

 

 

  • O mercado brasileiro de peixe crescerá 42,9% e a produção 39,9% no próximo decênio
  • A aquicultura que em 2015 representava 45,5% da produção evoluirá para 58,1% em 2025
  • As importações crescerão 47,8% e nossas exportações tem tudo para superar os prognósticos apresentados no slide anterior
  • Mesmo com esse crescimento animador, o consumo per capita de peixe no Brasil tem potencial para se expandir para além dos prognósticos de 12,74 kg/hab/ano (versus 21,00 kg média mundial)

 

Há uma enorme janela de oportunidades para a aquicultura brasileira. E não é o mar que está para peixe, é o tanque de criação.

 

Osler Desouzart

Atualmente membro da Diretoria Consultiva do World Agricultural Forum. Membro da equipe do The Sustainable Food Laboratory. Proprietário da companhia de consultoria, OD Consulting Planejamento + Estratégia.