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A proteína de amanhã já chegou, aliás há tempo


Vivemos na era mais chata da história, policiados pelo politicamente correto e com os ativistas alimentares pregando uma volta às formas e técnicas de produzir alimentos do século XIX. Esquecem-se de que a população de então era de 1 bilhão de pessoas e que hoje em 2023 temos 8 bilhões de pessoas para alimentar a bordo da espaçonave terra.

 Esquecem-se também que com os avanços no padrão alimentar, as melhorias no saneamento e na higiene e com os avanços da medicina a esperança de vida começou a subir no século XIX e chegou a 32 anos no mundo em 1900. Hoje nossa expectativa média de vida a nível mundial é de 70,8 anos.

 Vou permitir-me contra radicalizar afirmando que avanços no padrão alimentar se devem a uma maior ingesta de produtos de origem animal. Poderia ir além, mas creio que já consegui ampliar bem o número de inimigos. Mas para verdadeiramente irritar os “novos evangelistas” utilizarei duas das coisas que mais detestam, fatos e dados.

O gráfico I demonstra que o aumento da produção de alimentos de 1990 a 2022 superou o crescimento demográfico no mesmo período e o elevado crescimento percentual dos produtos de origem animal, contrariando as teses na moda de que a alimentação humana retorna a uma ingesta majoritária de produtos de origem vegetal. A acentuada expansão da soja e do milho reside no seu uso majoritário em rações animais.

Gráfico I                                                                                                                                               

O gráfico 2 quantifica dito crescimento em toneladas. Observem que peixe supera a produção e consumo de todas as carnes no mundo, o que poderá surpreender a muitos pois no Brasil peixe ainda tem um baixo consumo. Entretanto essa situação deve mudar graças a expansão que a aquicultura está conhecendo no Brasil.

Gráfico II                                                                                                                                         

A prevalência dos peixes e frutos do mar em relação às carnes não é uma situação pontual e prevalecerá no futuro, conforme demonstram as projeções de produção expostas na tabela I, crescendo 14,3% na próxima década.

Tabela I – Produção Mundial de Proteínas Animais Selecionadas – em kt       

No gráfico III podemos verificar que a aquicultura superará a pesca por captura no ano de 2024, assegurando a continuidade do suprimento de peixes de forma sustentável diante da atual situação de pesca excessiva de várias espécies em diferentes águas do mundo e regiões do mundo.

Gráfico III -Participação da pesca por captura e aquicultura uma produção mundial de peixes e frutos do mar

Não dispomos de estatísticas brasileiras de peixes e frutos do mar de captura, e os valores apresentados no gráfico 4 são estimativas. A FAO informa que os dados oficiais não foram relatados à FAO para o período 2014-2020. Em 2020, as capturas parciais foram relatadas à FAO, no entanto, as capturas foram consideradas altamente incompletas e, como resultado, foram complementadas pelas estimativas da FAO.

Quanto à aquicultura, o relatório FAO é de 2020, razão por mencionar números algo defasados. A produção aquícola brasileira é reportada pelo IBGE em 637.629 toneladas em 2021 e pela Peixe.Br (Associação Brasileira da Piscicultura) em 841.005 toneladas. As estatísticas da Peixe.Br são elaboradas a partir das informações de seus associados.

Recomendo a leitura do Anuário 2023 da Peixe.br que atualiza muito dos números algo defasados das publicações da FAO disponíveis. Dados do Anuário 2023 situam as importações brasileiras de peixe de 2022 em US$ 898 milhões e exportações com crescimento de 15% alcançando US$ 24 milhões.

Adendem para as dificuldades de dispor de estatística de captura que a pesca artesanal ou de pequena escala domina as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, enquanto a pesca industrial predomina nas regiões Sudeste e Sul. Dada a abundância de ricos corpos de água doce, mais de 30 por cento da produção de pesca de captura vem da pesca em águas internas, sendo base da alimentação das populações ribeirinhas.

Feitas essas observações apresentamos no gráfico 4 o balanço de peixes e frutos do mar no Brasil. Importante é notar o crescimento que o consumo de peixe experimenta a partir de 2005.

Gráfico IV                                                                                                                                       
Essa progressão do consumo brasileiro de peixes deve-se há dois fatores. O primeiro é a expansão da aquicultura Brasileira que representava em 1990 3,2% da produção e encerra 2022 com 47,6% da produção (cf. Gráfico V). O segundo fator seria o aumento das importações brasileiras de peixe que tornaram o produto acessível a muitos consumidores e apresentaram variedades até então desconhecidas ou, como o salmão, consideradas como artigo de luxo e hoje presente na maioria dos cardápios de restaurantes por quilo.
Gráfico V -Aquicultura já representa 47,6% da produção brasileira de peixes e frutos do mar       

A aquicultura aporta previsibilidade ao abastecimento do mercado permite minimizar a ditadura dos feriados religiosos que, ao mesmo tempo em que estimulavam o consumo do peixe, tornavam seus preços inabordáveis por grande parte dos consumidores brasileiros. Estima-se que o brasileiro consuma 9,5 kg per capita de peixe contra a média mundial de 18 kg verificada em 2021.

A autossuficiência brasileira em peixes é não só improvável como indesejada, já que gostamos de peixes de água fria, como salmão, bacalhau, pollock e outros. Não se constrói progresso com restrições e limitações, mas com a expansão de todos os elos da cadeia.

 Adendo que temos um consumidor que pode perfeitamente alcançar 20 kg per capita de consumo, sem contar o enorme potencial para exportação de peixes e frutos do mar. No aspecto das exportações estamos hoje em peixes como estávamos com o frango na década de 80, ou seja, arranhando a superfície de um futuro promissor que será construído nas próximas três décadas.

Em 2021, cinco espécies respondiam por 91,57% da aquicultura brasileira, com a tilápia respondendo por 55,71% do total. A tilápia não perderá sua majestade no futuro próximo, mas veremos novas espécies contribuírem para o inevitável aumento do consumo per capita brasileiro.  E muitas das espécies amazônicas poderão ser exitosas na exportação pela sua singularidade e ineditismo. Enfrentaremos concorrência em nossas exportações de tilápia e camarão, mas indago quem poderá concorrer conosco nas espécies amazônicas?

Gráfico VI – Gráfico de Pareto da Produção da Aquicultura Brasileira, principais espécies.      

O êxito da tilápia se consolida e a presença de grandes cooperativas e integrações com tradição de produção pecuária e exportação de outras proteínas animais acelera sua preponderância na produção (cf. Gráfico VII).  Não é por acaso que as exportações de tilápia aportaram US$ 22,9 milhões dos US$ 23,9 milhões exportados pela aquicultura brasileira em 2022[1].

O gráfico VII mostra a evolução da produção da tilápia na aquicultura brasileira e sua progressiva participação no total do país.

Gráfico VII  – Produção Brasileira de Tilápia (t) e % da Produção Aquícola         

Há tanto por dizer e por mostrar, mas resistirei à tentação de abordar a produção mundial, principais produtores, espécies e exportadores para fazê-lo num próximo artigo.

O segmento de piscicultura está em seus primeiros passos no Brasil e nenhuma das demais proteínas animais tem tantas perspectivas de crescimento tanto no mercado doméstico quanto no de exportação.

E peço a vocês que não comentam os mesmos erros que cometemos quando dos primeiros passos da avicultura e suinocultura brasileira no final dos anos 70. Teria muito o que lhes dizer a esse respeito, mas se conseguirem seguir uma única recomendação considerarei minha missão cumprida. E essa recomendação é de que não entrem no bloco do “eu sozinho”. 

Juntem-se às suas associações, tragam seus fornecedores, clientes e mesmo competidores para compartir a trincheira com vocês. Hoje a aquicultura brasileira não incomoda internacionalmente e o Brasil é o maior importador latino-americano de peixes. Isso inevitavelmente mudará e esperem reações. Nossa fórmula nas carnes foi de pelear juntos e dando meios e suporte às nossa associações que hoje se transforam na ABPA[1], respeitada nacional e internacionalmente.

E não hesitem em cometer erros, pois a única coisa segura e fatal é a inação. Mas por favor cometam novos erros, não os que já foram cometidos.

[1] Associação Brasileira de Proteína Animal (https://abpa-br.org/)

[1] Fonte: Anuário 2023 Peixe Br da Piscicultura

Osler Desouzart

Atualmente membro da Diretoria Consultiva do World Agricultural Forum. Membro da equipe do The Sustainable Food Laboratory. Proprietário da companhia de consultoria, OD Consulting Planejamento + Estratégia.