O objetivo deste artigo é mostrar a evolução do balanço de peixes e frutos do mar no período estudado. Para tal, examinaremos a produção, importação e exportação, e assim concluiremos pelo consumo aparente de pescados no Brasil, tanto total quanto per capita.
Os dados relativos à produção de pescados de captura são os disponíveis no banco de dados do Agricultural Outlook da OECD-FAO, e em suas observações este revela que os números do Brasil são estimados. Isso se dá pela falta de comunicação ou inconsistências nos dados.
Por melhores que sejam os esforços para coletar dados da pesca de captura no Brasil, estes dificilmente serão perfeitos, considerando que há uma predominância de captura artesanal estimada pela FAO em 60%, que representa mais de 90% do emprego no sector da captura.[1]
O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) lançou, em 20/04/2023, o sistema PesqBrasil — módulo Mapa de Bordo. Ele torna digital todo o registro do que é pescado no país e visa possibilitar a geração de estatísticas confiáveis da produção, já que o Brasil vem sendo cobrado internacionalmente pela falta de informações de sua produção de pescados. [2]
Nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil a produção de pesca de captura vem da pesca interior, enquanto a pesca industrial predomina nas regiões Sudeste e Sul. É notória a impossibilidade de levantar as capturas de subsistência praticadas pelas populações ribeirinhas, caracterizada majoritariamente como artesanal[i].
Os dados relativos à aquicultura são mais fartos e confiáveis. Na Tabela I constam os dados da Pesquisa Pecuária Municipal do IBGE, entre 1997 e 2021. Entretanto, seria omisso não considerar os dados dos excelentes relatórios anuais da Associação Brasileira da Piscicultura (PEIXE BR)[3], que disponibilizam dados da aquicultura brasileira de 2014 a 2022, e esses constam da Tabela II.
Os dados de nosso comércio exterior de pescados foram elaborados a partir das estatísticas do Comex Stat/MDIC[4]. Àqueles que solicitarem, enviaremos a todos os códigos NCM usados no levantamento para este artigo. Uma revisão por terceiros auxiliará a sanar alguma omissão ou incorreção cometida.
Vem a seguir um problema sério. Qual a população brasileira em 2022, ano em que o país procedeu a um censo demográfico? Os dados estimaram que a população brasileira seria de 207,8 milhões de habitantes.
As reações foram fulminantes, pois 702 municípios poderiam perder R$ 3 bilhões em repasses da União, sem contar que poderia afetar o número de representantes nos legislativos federal, estadual e municipal, o que naturalmente não agrada quem faz parte do poder. Breve, questão difícil num país onde o Professor Dr. Delfim Netto em uma jocosa tirada em explicação sobre o orçamento nacional afirmou que “matemática era uma ciência mais ou menos exata”. Creio que teremos em breve a confirmação dessa máxima lapidar.
Há anos faço uma provocação ao público de minhas conferências pedindo que se identifiquem aqueles que têm mais de 2,1 filhos, o necessário para expandir a população. O resultado me permite fazer anedotas sobre a necessidade de que todos abandonem o plenário para resolver o problema de baixa de natalidade, devido à priorização da carreira em detrimento de família, opção por novas formas de relacionamento entre casais, custos de vida ascendentes versus renda etc. Isso porque a primeira coisa que é necessária para se ter consumo é ter gente para comer.
Quando pude entender números e me apaixonar por dados, verifiquei que minha expectativa de vida era de 57 anos. Hoje faço parte daquele contingente que faz com que o Brasil seja classificado como de nível de envelhecimento asiático. E ainda estou por aqui incomodando com fatos e dados convicções e certezas.
Simples mortais não polemizam com membros do Olimpo, e por isso usei para a população brasileira em 2022 a estimativa mediana da recente revisão “2022 Revision of World Population Prospects”, elaborada pela Divisão de População da ONU, de 214.824.774.
Se consultarmos revistas especializadas e sites governamentais, há estimativas do consumo per capita de pescados no Brasil entre 9 kg[5] e 10,5 kg, mas confesso-lhes que não logrei identificar as fontes dos dados usadas para concluírem por esses números. Há um interessante trabalho de D.Y.Sonoda e R.Shirotaiv que situa o consumo per capita em 8,9 kg per capita em 2009 baseado nas amostragens do POF IBGE 2009-2008, ponderando os autores que “existem evidências de que o consumo domiciliar real seja bem menor, de 4 kg/habitante/ano”. Mas concluem que o consumo per capita real foi em 2008-2009 de 4,4 kg/hab. Na Tabela I verificarão que os números indicam um consumo per capita de 4,69 capita para o ano de 2009, o que demonstra a visão acurada dos autores.
Sei que a maioria dos leitores terá reação símile à da classe política com a divulgação da estimativa do IBGE da população em 2022, quando lerem que o consumo per capita de peixe no Brasil estaria de 6,56 kg a 7,53 kg em 2022. A diferença reside que, na Tabela I, a produção da aquicultura é a do IBGE-PPM e na Tabela II os dados da Peixe BR.
Apresentarei a seguir as tabelas I e II, anteriormente mencionadas.
Tabela I – Dados de Aquicultura baseados na PPM IBGE 1997-2021 e OECD-FAO para 2022
Na Tabela II, os números de produção de pesca de captura foram da OECD-FAO e da aquicultura foram da Peixe BR.
Se me perguntarem qual das duas é a correta, a resposta é nenhuma das duas, pois nos falta um mínimo de dados da produção de captura no Brasil. Esperamos que a anunciada iniciativa do sistema PesqBrasil – módulo Mapa de Bordo, aporte melhorias nos dados da captura, ainda que vá sempre padecer de não cobrir a pesca artesanal e de sobrevivência das populações ribeirinhas. Mas ter algo melhor do que o “achismo” de hoje é vital para o setor.
Meu mestre e guru Vicente Falconi reitera os ensinamentos de Ishikawa de que só se administra aquilo que se controla. E controles são feitos por dados e não por “eu acho”, “estou seguro”, “tenho certeza”, “estou há 40 anos nisso e sei do que estou falando”. Melhores dados representam melhor planejamento estratégico para qualquer setor.
E quanto aos dados de aquicultura? Tenho o maior respeito e consideração pelo IBGE, mas como todo órgão público ficam dependentes das orientações do olimpo brasiliense e da carência de recursos que marca a ação de tantos órgãos governamentais de importância maior para o país. Estou seguro de que fazem o melhor com os meios que dispõem, dada a qualidade de seus quadros técnicos e profissionais de carreira.
Tabela II – Balanço do Pescado no Brasil com dados da Peixe BR para a aquicultura 2014-2022
Quanto aos dados da Peixe BR, se eu fosse juiz estaria impedido de emitir juízo. Isso porque fui durante anos vice-presidente da ABEF e ABIPECS e pude constatar o quanto uma associação profissionalmente administrada pode impactar um segmento, como a ABEF o fez com as exportações de frango.
A Peixe BR elabora seus dados com base nas informações de seus associados, mesmo método que usávamos na ABEF, quando não existia Comex Stat. E lá tínhamos a nossa versão da “Chatham House Rule”[1]. Podíamos dizer quem havia enviado os dados, o global de valor e quantidade exportada e países de destino. Mas não se podia saber dados individuais, ciosamente guardados pelo secretário executivo Cláudio Martins a sete chaves. E asseguro que nem presidente e nem o vice tinham acesso a eles.
Tal não me impede que preze o trabalho conduzido pela Peixe BR e que estimule a que empresas e associações setoriais e regionais a ela se associem. Uma associação nacional forte e profissionalmente administrada é um dos instrumentos que explicam a evolução das exportações brasileiras de frango. Lembro que, para se cumprir uns objetivos, há que se dispor de uns meios mínimos. Não hesitem em contribuir. Não é gasto, é investimento.
Sei que estou desapontando muitos de vocês e, incidentalmente, a mim mesmo. Mas o faço como tentativa de conscientizar os segmentos público e privado da importância prioritária que deve ser dada a sanar a notória falta de dados do pescado no Brasil.
Em 2020 havia no mundo uma disponibilidade de pescados para consumo como alimentos de 20,1 kg/caputv, sendo 9,2 kg/caput de pesca de captura e 10,9 kg/caput, o que demonstra quão distantes estamos da média mundial.
O setor brasileiro de pescado tem crescido a passos largos graças ao motor da aquicultura. As perspectivas de crescimento são imensas, dimensionáveis pela má notícia de que o brasileiro come pouco peixe e pela ótima notícia de que brasileiro come pouco peixe.
Uma meta para o Brasil de alcançar 12 kg per capita, calculados com todas as deficiências de dados da captura atuais, não é delírio e o crescimento da aquicultura brasileira nos permite ser otimistas. Considerando-se a pesca artesanal e de sobrevivência, tanto em águas interiores quanto costeiras, estaríamos contemplando uma meta de 15kg.
Sabemos o que não queremos, que é ficar onde o segmento de pescado está. Queremos seguir crescendo e dotados de instrumentos aprimorados que nos permitam, como um termômetro, saber como está evoluindo nossa saúde. Naturalmente há muito por fazer. Pois bem, então convoquem os vizinhos, os competidores, os fornecedores, as associações, academia, autoridades, e vamos fazê-lo.
[1] Por essa regra pode-se dizer quem estava presente, o que foi dito, mas não se podia dizer quem disse o que.
[1] Fonte: © FAO 2023. Fishery and Aquaculture Country Profiles. Brazil, 2020. Country Profile Fact Sheets. Fisheries and Aquaculture Division
[2] Fonte: Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) https://www.gov.br/mpa/pt-br/assuntos/noticias/xbvcb
[3] https://www.peixebr.com.br/anuario/
[4] http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral
[5] Fonte: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/mpa/rede-do-pescado/consumo-e-tipos-de-peixes-no-brasil#:~:text=No%20Brasil%2C%20o%20consumo%20de,9%20kg%2Fhabitante%2Fano.
i Maldonado, Fabiana; dos Santos, Antônio Carlos – Cooperativas de pescadores artesanais: uma análise sob a perspectiva teórica – Organizações Rurais & Agroindustriais, vol. 8, núm. 3, 2006, pp. 323-333 – Universidade Federal de Lavras, Minas Gerais, Brasil
ii Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa Secretaria de Aquicultura e Pesca – 2022 – 2032 PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA AQUICULTURA – PNDA, 2022
iii 2022 Revision of World Population Prospects, Population Division of the Department of Economic and Social Affairs of the United Nations Secretariat
iv Consumo de pescado no Brasil fica abaixo da média internacional Daniel Yokoyama Sonoda e Ricardo Shirota* https://www.esalq.usp.br/visaoagricola/sites/default/files/va11-mercado-e-consumo01.pdf
v The State of World Fisheries and Aquaculture 2022 FAO. 2022. Rome, FAO. https://doi.org/10.4060/cc0461en